sexta-feira, 12 de março de 2010

Adeus ao cartunista

Fui abatido logo cedo pela notícia: Glauco e filho assassinados.

O país perde um grande cartunista, alguém cuja importância para o movimento foi imensurável, pois ao invés de fazer duras críticas ao militarismo, ele simplesmente usava do humor, e influenciou muitos outros artistas, com seu traço rápido e textos simples e irreverentes. E mais triste ainda, seu filho foi junto.

Cada um tem coisas que são importantes na sua vida, e a trinca Angeli, Glauco e Laerte foi de certa forma importante na minha. Eu comecei a ler e escrever com cinco anos de idade, porque eu apenas queria entender o que estava escrito naquele luminoso da padaria perto de casa, então meus pais começaram a me ensinar o básico, e foi muito bom, pois entendia o que estava escrito nas revistas da Turma da Mônica, e conseguia ler os encartes dos discos do Chico Buarque e Vinícius de Moraes(em parte culpo eles pelo meu interesse em poesia) que minha mãe até hoje guarda(meu pai me deixou o prazer de ser mais um admirador de Pink Floyd), lógico, sempre pedindo explicação sobre uma coisa ou outra.
Mas nunca vou esquecer, numa viagem, voltando de Curitiba, meus pais resolveram comprar umas revistas e tomar um café. Eu e meu irmão fomos escolhendo e sem querer pegamos um pacote com Los 3 Amigos(Angel Villa, Glauquito e Laertón) e uma edição perdida do Geraldão(eu com 7 e meu irmão com 6 anos de idade), e ali estava a trinca numa revista grande, cheia de piadas que eu iria entender somente anos mais tarde e na outra, páginas de desenhos e personagens do Sr. Glauco. E para entender todo aquele humor subversivo? Com 7 anos de idade, em 1991(acho, não lembro com exatidão), uma criança não tinha muita idéia do que eram drogas, Apocalipse, neuras de casal, boneca inflável, sexo, política e coisas que só um adulto poderia explicar, e aí que está a parte engraçada da coisa, tinham dois adultos(meus pais) no carro que ficaram perplexos com perguntas do tipo "Pai, o que é bronha?" e "Mãe, o que é cocaína?", e claro, a hora que perceberam o que tinham comprado para os filhos(eles gostavam das revistas Chiclete Com Banana, então eles não jogaram fora as revistas, pelo contrário, liam e davam risada), foi aquele forrobodó, "Você não viu que revista que eles estavam passando no caixa?", "Achei que era alguma coisa da Disney, oras!". Com a merda já feita, espalhada em quatro paredes pelo ventilador, como resolver o enbrólio todo? Explicar assuntos adultos para duas crianças que mais se importavam em jogar futebol no quintal e andar de bicicleta? Bem, nem preciso dizer que eu e meu irmão ficamos boiando, mas enfim, tudo se aprende com o tempo, e no caso as explicações dos meus pais vieram nos anos seguintes.

Enfim, nunca deixei de ler nada desses desenhistas. E agora um deles se foi, ou melhor dizendo tiraram dele o direito máximo de qualquer ser humano, o direito de viver, e fizeram o mesmo com seu filho, que tinha apenas 25 anos. Sem julgamento, sem motivo, apenas porque era mais fácil matar do que se tornar uma pessoa honesta e trabalhadora como as vítimas eram.

Meus pêsames aos entes e amigos de Glauco e Raoni.
Meus pêsames ao humor e à cultura de nosso país, estamos ficando escassos de gente boa e inteligente.


Estou triste pois lá se vai um dos três caras que continuou a me incentivar à leitura, e que me apresentou(cedo) ao mundo das HQs adultas e irreverentes.

Paz.

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Sem poemas por hoje.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Porque acabaram como amantes

Acorda e corre para lá e para cá,
Desenrola daqui mas enrola acolá.
Então o mundo pára estático,
Era fácil e agora é prático.

Passa manhã, almoço e já é tarde,
Acaba o expediente e dali parte
Para vê-la, sente saudades.
Na pressa, atravessa cidades.

O que quer é no caso impensável,
Talvez seja considerado reprovável,
Mas ele nunca tentou enganar.
Foi sincero, não quer namorar.

Já tem uma a quem atender em casa,
Não precisa de outra, isso atrasa.
Mas gosta dos momentos juntos,
Embora esconda isso nos fundos.

Ela chega do trabalho e toma banho,
Logo ele chega, não é um estranho.
Perfumada, passa creme na pele,
Puxa um vestido que desafivele.

Enquanto ele sobe, escolhe o batom,
Dos vermelhos, escarlate é seu tom.
Adora complicá-lo e dar emoção,
Na gola da camisa, um borrão.

Porta entre-aberta, ela quer jantar.
Gosta de se divertir e saem em par.
Sexta-feira é dia de dança,
Na madrugada é hora da transa.

Disse que voltava domingo de noite,
Ele não quer agüentar nenhum açoite.
Ela já teve as suas desiluões,
Agora quer viver seus tesões.

Naquela tarde, conversas apaixonantes,
Seguiram assim, acabaram como amantes.
Do resto não querem nem saber,
Estão vivendo assim por prazer.

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Eu estava ouvindo o Jeff Beck tocando "Cause We've Ended As Lovers"(S. Wonder) e me passou essa idéia na cabeça, tive que escrever de primeira.
Pouco a ver com a letra do Stevie Wonder, talvez só um pouquinho por causa do tema, a dele é mais triste, enquanto tentei escrever algo mais feliz.
Não vou mudar nada e vai ficar do jeito que está. Acho que ficou bom.

sábado, 6 de março de 2010

Mistura errada

Fico sentado, parecendo planta.
Um punhado plantado nesse vaso,
Sentindo esse tal descaso
Que as vezes até me espanta.
Pois isso me deixa preocupado,
Como posso chegar nesse estado,
Onde toda beleza me encanta?

Estupefato por ver este cenário
De pura paz e também indiferença,
Que após vida é a minha sentença
Ouço um canto, parece de canário,
Nesse plano onde reina o inefável
Onde se presencia o inimaginável
Voando alto através desse átrio.

Quando vejo o portal aberto,
Com brilho perolado ofuscando
Tudo em sua volta, convidando,
Até o incauto examina de perto.
Me libero dessas minhas raízes,
Quero atravessar e ver matizes.
Vou esperar o momento certo.

Está decidido, vou passar agora!
Então sou barrado por um senhor
E aquela voz rasga trazendo dor.
"Aonde vai? Ainda não é sua hora!
Sempre apressado, deve se acalmar,
Vá viver e não queira esperar.
Acorde, seu lugar ainda é lá fora!"

"Mas por que não me deixa passar?
Eu não quero ficar com a agonia!
Gostaria só um pouco de harmonia.
Estou cansado de correr e lutar,
Tudo sem devido reconhecimento,
Me sobra sempre o esquecimento.
Agora diz que tenho que esperar?"

"Pare de reclamar e vá, acorde!
Você tem muito mais para viver!"
Como pode me deixar para sofrer?
Acordado vejo a janela, é sorte?
Perdido de volta ao meu quarto,
A caixa de comprimidos no criado
E copo com gin, acho que é sorte.

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Sonhei com isso, não foi legal, mas faz parte.