quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Quando um poeta se vai...

Não é só em Mangueira.

Não.

Em todo lugar choram

quando poetas morrem.


O poeta é o amigo

que todos querem ter

mesmo sem disso saber

por dentro, ali consigo.


É quem enxerga e traça

versos e caminhos,

palavras e pergaminhos

de história que faça

de nós parte dele

e ele parte nossa.


O poeta é o fio condutor

da eletricidade humana

que é a canção,

da humanidade

a maior invenção.


Por isso, na sua partida, tiramos o chapéu,

e choramos em qualquer lugar.


-


Obrigado, Antonio Cicero.

Um Motivo

O real dilema filosófico

acima de qualquer outro problema físico

é, talvez, a decisão de maior coragem

ou covardia, dependendo do motivo

que leve a cabo a vida.


Pela dignidade é pura bravesa,

e covardia é pela estranheza

e fuga de tamanha incerteza

que o futuro nos traz.


Quem julga qual é qual

nunca fará idéia de quão

filosófico é dilema tal

que, nos entões do então,

leva ou não a vida ao final.


-


Homenagem ao Antonio Cicero (1945 - 2024).

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Toques

Dos barulhos do mundo
o crispar da epiderme
que no fundo ferve
e na superfície arrepia
ao banho gelado,
é o som - não música,
mas sim, salivante som -
que o tato ouve,
que a língua vê,
e que o corpo, confuso,
se mente difuso
e factível se sente
aos toques arrítmicos
e abalos sísmicos.


quinta-feira, 25 de julho de 2024

Chora o céu

Toda partida

é um ponto de chegada

toda largada

também tem seu fim

Curto ou longo

o tempo se molda

e o final no ponto

não é tão fim assim.



E Chora o céu

chove na rua

e nós aqui sem te esquecer.

Cai o véu

brilha a lua

e a saudade é o amor por você.


O nascimento

é o oposto da morte,

duas passagens

sem princípio ou fim.

São dois momentos,

sem azar ou sorte,

e a vida

acontece em você

e em mim.


E cai o céu

chora a rua

e o mundo segue a sobreviver;

a lua ao léu,

linda, flutua

e o sol espera por você.


--

Para Heitor Leão Gennari (22/01/2024).

sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Flâmula

Poderia num flamular

de um carmesim

dizer que somos os

rios das mesmas águas

vermelhas,

no entanto

flamulo o negro

do enraivecido,

do luto,

do destino de quem luta

rumo ao desconhecido.

terça-feira, 24 de outubro de 2023

Sangue

O caldo rubro

a correr nas veias,

também escorre pelas vielas.

É uma questão geográfica:

em toda localização

há o caldo grosso

que seca e tinge o chão,

o lençol, a calcinha,

a camisa, a areia.

Por este caldo há quem queira

preservar a história de um povo

e sua raça, sofrimentos e glórias,

por meio de inglórias

decisões, tal derramar

o sangue de outrem

sem sequer perceber

que é o mesmo líquido

denso e rubro

que o seu.

domingo, 9 de julho de 2023

Hemisférios

Abaixo do cinturão do equador

tudo é considerado impuro,

desconsiderado ao diurno

por noturno ser ao norte

e à sua luminosidade racional.

Em torno da linha das entranhas

que divide o mundo

e cada ser que nele habita

tudo é fígado


e sangue, suor e pus.


Acima está o norte

que, pela razão apregoada,

se considera superior

ao inferior contraponto.

É engraçado como o superior

se desnorteia quando

o oposto se manifesta...


...pois inferior e superior

se dão numa questão ulterior;

pois ao interior tudo é parte,

não há maior primazia.

E a linha que divide a cintura

não é mais linha, é horizonte

para quem possa viajar

através dos hemisférios

desse todo.

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Caixas - 3

Sábios são aqueles que não guardam caixas:

Não lidam com um passado já há muito morto

e nada presente.

Não guardam fantasmas, lembranças,

nada que possa vir com faces,

vozes e expressões de entes,

de repente.


-


Não fui sábio.

Guardei, etiquetei,

cataloguei e fechei.


Nunca mais toquei nas caixas

da minha vida e, quando deveria

jogá-las fora, queimá-las,

fazer qualquer coisa para que desaparecessem,

mais fingia que as esquecia.


São tantas caixas...

Caixas de amores mortos,

caixas de ódios vivos,

caixas de tempos passados

e de tempos não vividos.


Caixas de mágoas, paixões 

e toda uma sorte de sentimentos

que não me cabem mais,

como roupas velhas de um corpo

diferente de outrora.


-


Talvez o que me resta de sabedoria

seja o que faço agora.

limpar a vida,

esvaziar as caixas

arrumar a casa

para voltar

depois de ir embora.

Caixas - 2

Você me derrotou.

Tua sujeira ainda gruda,

teima em não sair.

Teu antônimo me acometeu

e o que me resta é uma sensação

de que seria melhor não ter vivido

o que vivi por ti.

E essa caixa de quinquilharias

vividas por nós - não dois, mas vários -

tem o fio condutor entre eu

e a derrota que vocês

imperiosamente me impuseram.

A vitória de vocês,

não pode mais ser motivo

de sujeira na minha pele

não pode ser a mesma

da sua caixa.

Não quero mais recordações

guardadas aqui.

Tampouco quero essa caixa.

Que vá para o lixo das nossas histórias.

Caixas - 1

Tive que abrir essa caixa antiga

coberta de poeira grossa - daquelas

que já se misturam ao óleo da madeira delas,

poeira grudenta, resquício das almas

sebosas, purulentas que ali habitam - 

que não saem ao soprar.

Havia foto-memórias ali dentro

e a primeira que se destacou

entre tantas que estavam acumuladas

foi a sua. Seus olhos que me viam.

Suas palavras vieram ao meu coração

quase como um ressurgimento

de vozes antigas que falam 

pelas eras, pelos ventos da sofreguidão.

Devo limpar tanta poeira

afim de que saia da minha pele

tamanha sujeira que ficou

acumulada em caixas como esta...

e mais caixas...

e mais caixas...

e mais caixas...

tantas caixas...

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Sobre-existir

Sobre a existência:

Sei que a vida
é, em sua essência,
uma coleção de curtas

alongada até a morte.

--

23 de Julho de 2018.

Sua Vida

Vim te pedir perdão
por colocá-la num pedestal
tão alto que deixei de vê-la
e você virou um mito
vivo em minha vida.
Esqueci de sua humanidade,
de suas vontades,
de cada traço
das suas personalidades,
e me faço
de ferido, mas por medo
de algo desconhecido
deste lado,
que conheci apenas do outro.

Me perguntei como seria sem você,
me respondi que já sei.
Como seria com outra pessoa?
Também já sei.
Como seria se fosse algo à toa?
Também já sei.

E como seria se você
quisesse saber
tudo isso que ainda não sabe?

Pois é, acabei de saber
e estou aprendendo a esquecer
o que aprendi, pois está errado.

Você é livre para fazer o que quiser.
Sempre foi.
Não posso idealizar algo
que é impossível cumprir,
não posso limitar sua vida.

Uma ponta de ciúme foi o suficiente
para eu quase surtar,
mas essa ponta foi necessária
para eu poder reavaliar
tudo e pensar
como será o meu futuro.

Eu deixei de cuidar de mim
para me dedicar a você,
mas enquanto eu te admiro
deixei de me admirar - 
e talvez você também
tenha deixado.

Deixei de me arriscar
e entrei na zona de conforto,
mas não posso mais fazer assim.
Eu cresci, fiquei forte
e chorei, mas amadureci,
cuspi para fora esse mal
e te entendi.

Entendi que você tem seus anseios,
seus desejos, suas vontades
e seus meios.
E que se eu quiser ficar com você
tenho que aceitá-la como é.
E nada disso é tão novidade,
é apenas mais um fim:
o fim de algo velho
e o começo de algo novo.

A sua vida é sua,
mesmo que nela
eu me envolva.

--

26 de Dezembro de 2013.

quinta-feira, 22 de julho de 2021

Cara má

Me encontrei entre os ovos

infecundos e galados

de Teodoro.

Um tanto Demétrio,

outro tanto Ivan

e mais um tanto Alexandre,

me vi no pai e seus filhos.

Me vi até no bastardo

por um instante,

me vi um restolho

familiar e contraditório.


Tive meus egoísmos,

tive minha lascívia,

tive meu ateísmo

e tive minha inocência.


A minha face,

minha cara má

me leva ao princípio

de uma vivência:


Eu, que nada sou

e tudo tentei ser

fico em meio aos ovos.

Sou infecundo ou galado?

Choco o mundo

ou por ele sou chocado?


Eu, sem orgulho

me leio na vida ao lado.

Não sou tudo,

mas não tenho faltado.


À quem eu fiz sofrer

peço o perdão que há muito

tenho protelado.

É fato que errei

e não assumi a responsabilidade

do egoísmo, da cobiça,

da minha falta, da minha maldade.


A cara má que ficou na memória

quer ser apagada,

nem substituída por uma cara boa,

porque não importa se esta ressoa,

é melhor se deixar passar

e eu que viva

entre a tentativa

de ser fecundo

e não ser galado,

pois cantar de galo

não é de viver

o modo mais profundo.

sexta-feira, 11 de junho de 2021

Newtoniana

Cair é inevitável.
Ninguém tem que ser forte
o tempo todo.

A força inabalável
está mais em se levantar
do que em resistir.


Sem Valor

Tenho me valido do sumiço
e de todas as vontades
de desaparecimento
do que seria o meu ser.
Parece até um vício -
sempre constante,
some e reaparece,
nunca foi embora -
num mundo já saturado
de tantos viciados
e, ao longo do tempo,
sumidos.

Na vaidade, mudo,
nada novo invento:

Custo me reconhecer.
Esqueço-me, de graça.

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Túmulo Diário

Tem dia que a cama
me parece túmulo.
O corpo inerte
só existe,
não vive.
A alma se cala
em afasia
e a vida não resiste
esse acúmulo
de melancolia.

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Cuidados

Cuidar de si é uma arte.

É não surtar diante
da melancolia
latente
que cada vez
numa tocaia
diferente
quer o seu revés.

É não esquecer
de exercitar
sua morada
permanente
para não padecer
sem o lar
digno que é
seu corpo presente.

É ser responsável
com si e com todos,
sendo amável,
pois só o amor

cuida.


O amor se dá pelo zelo
e pelo respeito.

E o cuidado se dá pelo amor
de sê-lo.

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Verbo Acabar

Se há retorno
então o fim não chegou,
foi apenas um intervalo
de um ciclo
ainda não circunscrito,
onde as pontas
não se encontraram
para completar o círculo.

O que deve acabar
não deve ter retorno,
pois o verbo é claro
em seu significado:
algo que acabou
tem seu ciclo completo.
Bom ou não, se completou.

terça-feira, 14 de julho de 2020

Que fazer?

A pergunta é cruel,
tem gosto de fel
na língua mal-acostumada
a pensar, e desce rasgando
a garganta do indivíduo,
tal comida estragada.
Para muitos,
é pergunta intragável.
Há quem diga
que não há solução,
chegamos no melhor
modelo econômico possível...

...mas parece preguiça,
preguiça de pensar,
preguiça de mudar
preguiça de ajudar,
preguiça de entender.

Que fazer
com o comodismo?
Que fazer
com a ganância?
Que fazer
com a injustiça?
Que fazer
com o vil capitalismo?
Que fazer
com ignorância?
Que fazer
com a preguiça
geral?

Que fazer?

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Em meio à rega

Às vezes a gente se pega
vendo a luz do sol
que, também nos cega
quando ofusca
qualquer outra cor
até então vista.
De repente vem o torpor,
nada mais se pensa
em meio à rega
costumeira e matinal.
O sol não faz por ofensa,
nós é que insistimos
em olhar o que não
aguentamos ver.

sábado, 11 de julho de 2020

Gambiarra

Faço gambiarra
porque me faltam partes
que perdi ao longo
da existência
e agora não encontro
peças de reposição

para
a
vida.

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Corpo

Casa inevitável,
morada física
da etérea memória.
Tem mente própria,
tem sua história
e sua própria lógica.
Pensa sem pensar,
sente sem raciocínio,
como se duas pessoas
fossem um só símio
ao existir, ao estar
por aqui.

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Limítrofe

Faz parte
da humanidade

o amor,
a dor,
a violência,
o carinho,
a demência,
o raciocínio...

Faz parte,
mas não significa
que aceitamos
tudo de peito aberto.

Nem devemos.
Tudo tem limite,
até o infinito
que é limitado
pela nossa percepção.

Tudo tem limite.

quarta-feira, 8 de julho de 2020

Cristas e Vales

Duas coisas andam
uma na contramão
da outra:

O desespero
e o amor próprio.
Parece óbvio...

...,MAS NÃO É!

Esquecemos
quem somos
e perdemos a fé
que um dia tivemos.

Então quero te lembrar
que desesperos são gotas
perto do amor-próprio,
que é, de si mesmo, mar,

com todas as ondas
compostas de cristas
e também vales.

Altos e baixos
existem,
assim como as águas
puxam e empurram.

Não seja uma gota,
seja você seu próprio mar.