Não sinto
o recinto
tão lotado,
mas fatigado
e fustigado,
um tanto
mal tratado,
e sem espanto
não vejo santo
nem ser desalmado,
e mesmo quando
eu canto
no meu canto,
enquanto
me encanto
com um conto
já pronto,
me encontro,
no entanto,
rolando pranto.
Dá um desconto.
--
Estou feliz com esse poema, muito bom. Acho que o meu bloqueio se mostrou necessário, no fim das contas.
terça-feira, 17 de setembro de 2013
segunda-feira, 16 de setembro de 2013
O amor e sua vida própria - Análise simples da história de Jesse e Celine (CONTÉM SPOILERS)
Esqueçam os contos de fadas e histórias de amor como você cansou de ver por aí. O melhor casal da história da 7ª arte, na minha humilde opinião, voltou e, como nos dois filmes anteriores, cheios de vida, questões, certezas, filosofias e, em meio a tudo isso, amor. Aquele amor que, como diria o Cazuza, "a gente inventa pra se distrair". Mas o que fazer quando esse amor é algo bem maior que o por ora inventado por puro desejo e paixão? Como saber quando uma pessoa se apaixona perdidamente por outra? Como saber se o amor é recíproco? No caso desses personagens criados pelo trio Richard Linklater (diretor - que teve a ideia a partir de uma experiência pessoal), Ethan Hawke e Julie Delpy (protagonistas), o amor sincero e irrestrito ainda é o elemento que se prova acima de qualquer banalidade. E a atuação com longos diálogos e poucos cortes de câmeras mostram como um texto e uma atuação bem feitas não precisam de muita edição, apenas simplicidade. Tenho que citar que a trilha sonora, usada esparsamente (em toda trilogia), apenas contribui, seja na poesia, seja nos sentimentos, transbordando mensagens sutis, sem cair para o exagero emocional, a pieguice do cinema americano tradicional. O amor se mostra com uma certa dose de devoção, adoração, mas não inconsequente e banal como um conto de fadas, mas sim palpável e inclusive minável, onde se mostra frágil e passível também de uma queda fatal. O roteiro pensado a três cérebros e escrito a seis mãos mostra um casal palpável, sem as reviravoltas fantásticas e imaginativas que a indústria do cinema adora nos enfiar goela abaixo. Não será o primeiro casal nesse estilo, mas ainda é um estilo raro de filme. Mas o que os torna mais um entre poucos, também os torna único entre todos: sua história. Uma trilogia com diálogos e personagens tão ricos que podemos passar horas conjecturando sobre não só seus filmes, mas seus diálogos, frases específicas e por aí vai. E ontem, finalmente, assisti o terceiro filme da história de Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy): Before Midnight (Antes da Meia-noite - ambientado em 2012) que se passa 9 anos após o segundo filme, Before Sunset (Antes do Pôr-do-Sol - 2003), que também se passa 9 anos após o primeiro filme, Before Sunrise (Antes do Amanhecer - 1994). Se pensarmos que essa ordem constitui um dia com manhã, tarde e noite. Mas no ponto de vista deste que vos escreve, essa trilogia constitui muito mais que isso e pretendo dissecar toda minha interpretação, de forma breve, assim espero. Lembrando que o sentido que dou a essa história é algo pessoal, que criei após interpretar de acordo com meu ponto de vista, somente e nada mais, se discordar, ótimo, se concordar, ótimo também. Ok?
Já comecei dissecando sobre os títulos dos filmes, certo? Considero importante o aspecto de espaço e tempo nesta trilogia, pois se pensarmos a história do casal já atingiu a maioridade (18 anos) e agora está adulta, no terceiro filme. Encaremos o primeiro filme como o nascimento de um amor, uma criança (como de certa forma, "inventamos" nossos próprios filhos, é só decidir quando, ou correr o risco inconsequentemente - não muito diferente do amor, que também é inconsequente).
Então falemos rapidamente do primeiro filme, onde começa nossa história, Jesse (23, estadunidense, texano) e Celine (também com 23 anos, francesa, parisiense), se encontrando pela primeira vez em 94 num trem em Viena e experimentando uma paixão arrebatadora. Como histórias de amor mil nascem a torto e à direita em Hollywood, essa poderia ser só mais uma, mas considero o renascimento de um gênero tão explorado. A história se passa no período de menos de 24 horas, até o amanhecer seguinte, quando de certa forma o envolvimento dos personagens é visivelmente grande e, presumo, uma forma de amor nasce em meio a uma despedida que os separa por 9 anos. Nascer do sol, nascimento do amor, num verão na capital de um país que nasceu até que recentemente (1955 - Tratado do Estado Austríaco) em comparação com outros países. O nascer é o verbo recorrente. Os diálogos são fenomenais e detalham muito, em tão pouco tempo, as vidas individuais de Jesse e Celine, o que mostra a riqueza dos personagens. E nesse filme já é dado um enfoque real, adotado aos outros, pois o filme é praticamente os dois juntos, conversando e passando tempo juntos, um casal, nada muito diferente da vida real dos casais. Os assuntos (nos três filmes) são os mais variados, mas mostram como a personalidade de cada um é diferente em muitos aspectos e similares em outros e mesmo assim há aquele sentimento de unidade passado ao vê-los conversando e brincando um com o outro, seja sobre amor, vida, profissão, filosofia, sexo, morte, astros, etc. Temas abordados com a naturalidade de qualquer casal que tenha o costume de dialogar entre si. De repente passa-se o tempo como um furacão, amanhece em Viena e os dois acabam com uma despedida e uma promessa de voltarem a se encontrar no fim do ano. E nunca mais se mencionou algo por nove anos seguidos, não foi cogitada uma continuação, o filme ficou assim, no ar, com um gancho e nada mais.
Nove anos depois, numa livraria em Paris, Jesse está fazendo a última parada da divulgação de seu primeiro livro na Europa. Um livro sobre justamente aquele dia fatídico de 9 anos atrás. Só que o inesperado (deus ex machina) é o mote do segundo filme que, sozinho, já é um deus ex machina ambulante, afinal ninguém esperava uma continuação após nove anos. Celine aparece na sessão de autógrafos e Jesse fica surpreso, então começa outro longo passeio, só que dessa vez por Paris, uma cidade mais conhecida por luzes e consagração do amor, uma cidade adolescente, com um casal transbordando suas crises de certa forma juvenis enquanto tem 31 anos, já cheios de crises em suas vidas, e com visões mais pessimistas e aborrecentes [sic] em comparação com o primeiro filme, mais idealista, imaginativo, como uma criança. Comunicam-se com o público da mesma forma, dialogando sobre suas vidas que se passaram separadas por nove anos por dramas pessoais e reviravoltas que no fim são só citadas para criar o pano de fundo e enriquecer mais ainda a história dos dois. Tudo isso no mesmo formato, diálogos longos com pouquíssima edição. E agora com o tempo limite sendo o pôr-do-Sol (mais precisamente, o horário do vôo de volta aos Estados Unidos), mais contemplativo que o amanhecer que traz toda a energia que precisamos para aguentar um dia, aquele descanso pós trabalho, onde realmente refletimos sobre nossas vidas e tomamos as principais decisões, o fim de tarde onde Jesse resolveu que ficar com a mulher do livro de sua vida, decisão reforçado ao ouvi-la cantar uma valsa sobre o homem que lhe inspirou tal música, ele. Amor adolescente se confirma (e já se sustenta) por si próprio, por devoção singela ao criarem, ambos, algo um para o outro. No final, um gancho. Um gancho simples que torna qualquer excesso simplesmente banal, tão simples que prova que em meio a tanta complexidade no mundo, inclusive na vida dos dois, nem a vida, muito menos o amor precisam de ser complexos. O sol se pôs e o avião partiu, sem ele.
Mais nove anos se passaram e o amor atingiu a maioridade, e agora se vê na vida adulta, sem manual de instruções. O amor tem que sobreviver por suas próprias pernas. Jesse e Celine agora com 41 e com duas gêmeas de 7 anos estão na Grécia, mais precisamente no Peloponeso. A Grécia é o país mais antigo dos três filmes, e assim como meia-noite é o fim de um dia, ambos, espaço e tempo estão condizendo com a vida adulta do amor, que é a fase onde o amor passa por mais batalhas e tragédias do que nunca para se manter vivo e forte, como o próprio Peloponeso foi palco de diversas batalhas na antiguidade. O filme retrata Jesse e Celine já adultos tentando manter o relacionamento vivo em meio a crises palpáveis, como Jesse querendo estar mais presente na vida de seu filho e Celine querendo ser muito mais que a esposa de um escritor e desenvolver sua vida profissional de acordo com o que ela deseja, mas ambos não podem decidir nada sem pensar nas gêmeas. Em meio a diálogos longos, novamente com poucos takes, percebe-se que a vida adulta do amor é complicada e, mesmo na maioridade, o amor sofre crises de desvalorização, supervalorização, responsabilidade (afinal, é um impacto grande na vida adulta de qualquer um), etc. Nessas crises o próprio amor entre essas duas pessoas, consideradas e apresentadas como ideal até agora, é colocado em xeque. Será o amor capaz de acabar, assim como um dia qualquer acaba à meia-noite? Será que a velhice mata o amor? O deus ex machina aqui é Jesse, em face da possibilidade de perder Celine, dar o troco na discussão toda, dizendo que o conto de fadas não existe, e tudo que ele tem para oferecer é seu amor sincero e mais nada, não há fator externo, apenas ainda uma devoção a pessoa que ele ama, ao invés da pessoa que ele amou ou amará. Ele se faz presente, e ela também se faz, afinal, não é questão de guerra dos sexos, mas sim a questão de estar com quem você ama de verdade (seja uma, duas ou trinta pessoas), ser sincero consigo mesmo e com o seu par. A parte engraçada é saber que não é a primeira discussão séria dos dois ao ouvi-la dizer que toda vez que ele se despede do filho acaba por ter o humor alterado. Ou seja, tanto aconteceu na vida dos dois em três filmes e você, espectador, não precisou acompanhar uma novela de um trilhão de capítulos para absorver tanta informação. A riqueza dos diálogos desse filme é ímpar, justamente por dar tantos detalhes e ainda por cima quebrar a imagem de casal perfeito, pois até eles em suas imperfeições mostram que a vida não é perfeita, muito menos um relacionamento, nem mesmo o amor. Mas a perfeição é mostrar que, como Esparta fez, vale a pena lutar pelo que se ama. A parte mais interessante é ver como o que foi passado como certeza ao público, o casal do "feliz para sempre" do segundo filme, mostra que ainda tem muita lenha para queimar e muita história para contar, de maneira palpável, afinal poderia acontecer coisas similares na vida de qualquer um. Assim chega meia-noite, que mesmo sendo o fim de um dia, de acordo com o nosso sistema de contagem temporal, não é o fim de nada, Peloponeso e Grécia ainda existem mesmo após inúmeras guerras, conflitos, crises e tragédias clássicas da mitologia local, Jesse e Celine ainda se amam e a "vida do amor" continua até, quem sabe, sua velhice e morte. Vamos esperar mais nove anos e ver que acontece.
;)
O meu filme preferido? Os três, cada um a sua maneira. E arrisco a dizer que são, juntos, uma obra só que ainda não teve o seu final filmado. Talvez nem precise, talvez seja melhor encerrar assim. Afinal, quem sabe?
Talvez o amor tenha vida própria.
--
Obs.: Não escrevi nem 1/10 do que passou pela minha cabeça, senão esse texto viraria um ensaio completo e teria muito mais spoilers (sério, o que coloquei aqui não é nada demais, só assistindo para entender).
Obs. 2: A minha amada Clara ficou conversando horas comigo sobre esses filmes, que têm um lugar especial no meu coração, desde que assisti o primeiro na adolescência, e ela mesmo teve sua interpretação, um tanto diferente da minha, o que torna toda a experiência muito mais rica. :)
Obs. 3: Tem gente que diz não gostar de deus ex machina, para essas pessoas eu digo: não vivam. A vida inteira é cheia de deuses surgidos de máquinas, e a arte imita a vida que, por fim, volta a imitar a arte. É um ciclo inevitável.
Obs. 4: Assista aos três filmes!!! Reveja todos e comece a relacionar os diálogos, você vai se impressionar.
Obs. 5: Assista "Waking Life" como bonus!!!
Obs. 6: Assista "Cópia Fiel". Parei aqui. :)
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