quinta-feira, 29 de abril de 2010

DIRPF

Penúltimo dia para fazer a declaração do imposto de renda. Eu aqui matutando, me esgueirando entre notas, recibos jogados no chão, aquela loucura toda de quem adiou, e adiou, e adiou mais um pouco, e só para não falar que deixou para a última hora, resolve fazer o inevitável(ninguém quer cair na malha fina) um dia antes do prazo limite, para satisfazer esse orgulho babaca, poder bater no peito e falar "Eu fiz e deu tudo certo! Não tive problemas nem para enviar! Sabem como é, por mais que seja confiável, desconfiamos dessa coisa de transmitir dados monetários via internet...", uma antítese simples, embora verdadeira, não conheço quem fique tranqüilo em 'mexer com dinheiro' na internet, sempre fica aquela pulga atrás da orelha dizendo sobre os milhares de malefícios, vírus, hackers, e por mais que tenha um computador seguro, temos que contar ainda com o bom senso de acessar sites seguros, é tanta segurança que não dá para ficar tranqüilo. Mas eu no meio dessa papelada espalhada pela sala me pego pensando a quantos anos eu liguei o 'FODA-SE', menos para o imposto de renda, já ouvi histórias, não quero ser alvo da lei, muito menos transgressor.
De um lado a pilha do convênio médico, próximo, os montes de recibos de dentista, de psicólogo(ei, no meio dessa loucura que vivemos, alguém pode ajudar a organizar a cabeça), de previdência privada, de consórcio, contas em geral e afins... tive que colocar uma grade na porta da cozinha para o cachorro fazer companhia para minha esposa enquanto ela faz o jantar(adivinhe só, ela já fez a declaração do imposto de renda dela... NO MÊS PASSADO!!!)
, aquele cheiro... só pode ser macarrão... FOCO! Voltando a declaração! Enquanto rola um álbum do Wilco(A Ghost Is Born, mais precisamente, minha esposa diz que é um porre... eu gosto) no som, tento me organizar e calcular tudo, e toma anotação daqui e anotação de lá, como dinheiro tomou conta das nossas vidas? É só trabalho e dinheiro, trabalho e dinheiro... olho a conta do psicólogo(de novo ele!), R$200,00 ao mês, para me ajudar numa loucura que me aflige, num medo maluco de fazer as coisas, e eu nem sei o que é isso, mas estou melhorando. Dentista, R$75,00 ao mês... Água, luz, telefone, TV por assinatura e internet... a conta mensal da casa já passou dos R$1500,00, contando com combustível do carro, previdência privada, cursos disso, passeios daquilo, e eu nem contabilizei ainda o gasto com o cartão de crédito, compras de supermercado, empregada(ambos trabalhamos, não posso deixar na mão dela, esposa, a faxina toda), penso que essa declaração vem uma vez ao ano para, além de tirar mais dinheiro do contribuinte, lembrar o quanto a nossa vida chega a ser miserável, corrida, e o prazer de viver fica em segundo plano. Quando foi a última vez que viajamos? Quando foram as últimas férias que tiramos juntos? Não. Não posso me permitir levantar questionamentos agora, ainda dá para terminar essa declaração antes do jantar.

Ouço ela falar da cozinha:
- Amor! Você quer molho bolonhesa?
- Hã!?
- Você quer molho bolonhesa?
- Ah... sim, claro!
- Vai demorar muito para acabar a declaração?
- Só mais alguns minutos...
- Devia ter feito como eu, no mês passado, com calma...
- EU SEI! Não precisa ficar esfregando na minha cara!
- Nossa, mas você não precisa ser grosso assim.
- Me desculpe, estou calculando e me afogando no meio deste monte de papel, e está uma loucura, mas acabei de pensar em algo, - sucumbi à
distração, não havia como não - podíamos marcar de tirar férias juntos daqui uns três meses, que tal? Apesar que você vive ocupada no escritório, você acha que consegue reservar umas duas semanas?
- Querido, posso ver na agenda, e você consegue duas semanas? E pelo amor de Deus, dá para trocar esse disco?
- Respondendo as duas perguntas: Sim... e NÃO! É o único momento no dia que posso ouvir alguma coisa sossegado e você vem pegar no meu pé!? Faça-me o favor!
- Olha aqui, eu não pegaria no seu pé se fosse algo legal, mas é um saco ouvir isso.

E o diálogo segue nessa linha, estranha, rude e ao mesmo tempo amável, uma discussão estranha no meio de uma conversa sobre planos. Acho que casamentos tendem a chegar nessa estranha situação como o meu chegou, onde
cinqüenta por cento do que é falado é implicância e discussão, e os outros cinqüenta por cento é amor. Mas quando chega o silêncio, simplesmente não há necessidade de palavras, só a necessidade do próprio silêncio, do olhar, do toque, da paixão... Cansei, os valores estão anotados, não demoro muito para colocar no sistema, farei isso quando ela estiver dormindo. Atropelo a papelada, já desorganizada, abro o portãozinho e coloco o cachorro para fora da cozinha, fecho a porta, e a vejo colocando o macarrão para esquentar, a abraço por trás e beijo seu pescoço.

- Agora não... isso faz cócegas! - ela ri como uma adolescente e pergunta - E a declaração?
- Resolvi dar umas férias para ela. A única declaração que tenho que fazer agora é: eu te amo.

Como pode imaginar, o jantar atrasou um pouco,
bagunçamos um pouco a cozinha... ela vestiu a minha camisa e se levantou, se alongou, bocejou e sorriu como se tudo estivesse melhor naquele dia. Teve que refazer o molho, mas nem se importou, até que tentei ajudar, mas não tenho talento para a cozinha, se fosse para lavar o carro... enfim troquei o disco, coloquei o do Chico Buarque que ela tanto gosta, e pude ouvi-la cantar enquanto arrumava a mesa. Jantamos e conversamos sobre os planos de nossas férias. O cachorro já está dormindo na casinha.

Agora termino essa declaração de imposto de renda, sem problema algum, enquanto ela cantarola "A Noiva da Cidade" e lava a louça.

- Amor, vamos para a cama? - me pergunta se recostando no batente da porta, com o sono estampado na cara.

Clico no botão 'Transmitir', e deixo o computador ligado.

- Vamos linda.


--


Eu estava fazendo a
DIRPF de 2010, o famoso Leão, e me veio essa cena na cabeça. E talvez eu continue a escrever sobre este casal.

Lembrando algo que um amigo meu dizia: "DINHEIRO É PAPEL!"

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Atitude

Mais uma vez me pego escrevendo
para uma desconhecida.
Me pego aqui bebendo
mais uma garrafa vencida.

O vinho se tornou vinagre.
A taça do que era tinto,
agora o aroma finto,
pois cheira azedo bagre.

Minha demora é banal,
ridícula e trivial,
mas estranhos se conhecem
e mágicas assim acontecem.

Provoco olhares raivosos,
todos me estranham.
Quase que me apanham,
os deixo nervosos.

Que vão aos diabos!
Não tenho o que temer.
Doa a quem doer,
sentem-se em quiabos!

Pergunto qual é o seu nome,
ainda não quero seu telefone.
Quer saber meu pronome,
é "Senhor", de renome.

Não é egocentrismo,
é apenas a verdade,
pois como tal Veríssimo,
preza por realidade.

E mesmo que não te leve,
pelo menos lhe disse.
Aqui não tem nada de neve,
mas fiz com que me visse.

E talvez um dia lembre
ou talvez esqueça,
mas pouco importa sempre
que a atitude prevaleça.

--

Poema escrito numa mesa de bar, assim como tantos outros, meus e de outros tantos. Talvez os garçons achem que sou maluco, sempre pedindo caneta emprestada para escrever em guardanapos, folhas de comanda, nota-fiscal, etc, mas nunca pedi para entenderem, então não faz diferença, é apenas um detalhe divertido.
O verso que eu citei "Veríssimo" é uma brincadeira com o significado da palavra, o sobrenome do Sr. Érico, fica melhor explicado no verso seguinte, onde fica clara a referência, mesmo este sendo membro do Modernismo(pelo que me lembro...), ainda acho que sua escrita é tem muita influência do Realismo.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Vire o disco!

Por que ser diferente e peculiar?
"Você usa ainda o mesmo telefone,
já fazem seis anos esse celular!"
Não tenho motivo algum para mudar,
ainda funciona para conversar,
seja com você ou outra pessoa
então você está reclamando à toa.
"Mas você é sempre avesso a mudanças!"
Não é verdade, é simplesmente questão
de prioridade, nada comigo é em vão.
Você não está feliz com suas compras?
Estou contente com minhas experiências.
Deixa eu colocar uma bolacha no som,
você pode apreciar melhor as cadências,
progressões, força nas notas das trompas.
"Volume alto assim sem distorção?
Como é possível? Eu sempre preferi
coisas modernas e práticas, na mão."
De que adianta? Celular é para telefonar,
não para ouvir música. Hora de virar
o disco.

--

Sábado(17 de Abril) foi o dia das lojas de discos e amanhã(20 de Abril - aniversário da morte de Ataulfo Alves, sambista, compositor, que para suas músicas, teve interpretes do calibre de Clara Nunes, MPB-4 e Quarteto Em Cy) é o dia do disco, eu como sou apaixonado pelo som das bolachas, resolvi escrever algo para estes dois dias, comparando o sonzinho de música armazenada em celular, na maioria das vezes em MP3, de baixa qualidade, sendo reproduzidas em fones de ouvido com o volume nas alturas. Acho que cada um curte música da maneira que quiser, mas prefiro qualidade. A praticidade fica de lado nesse caso, não suporto o som que rola no meu celular, mesmo com os fones de ouvido, acho uma porcaria, e já ouvi de modelos mais avançados e não adianta, acho que isso não é para mim.
Mas voltando as comemorações, bem comemore do seu jeito, com seus amigos, sem eles, eu vou sentar e colocar um disco para rodar no prato e contaminar a agulha com aquele ruído único que me hipnotiza desde criança, e vou aproveitar que dia 21 de Abril é feriado(aniversário da morte do Mártir da Inconfidência Mineira, Sr. Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido por Tiradentes) e comemorar com amigos amantes desta arte, que torna a vida algo correto. Até mesmo o niilista supremo, Nietzsche, disse uma frase que no fundo tem algo de feliz: "Sem música, a vida seria um erro."

É, talvez ele estivesse certo.

Então, aproveite amanhã, você tem uma desculpa para incomodar o seu vizinho! :)

quinta-feira, 15 de abril de 2010

União

Sobre a igualdade entre nós,
Posso dizer que a loucura nos cega.
Esquecemos que somos semelhantes,
Diferenciados por meros detalhes.

Herdamos de nossos pais e avós
Traços e detalhes, não se renega.
Por mais que mude, é constante.
Não há o que a pulsação atrapalhe.

Porém a mente é sua apenas, mas influenciável,
Acredite no que quiser, mas sabe de onde veio.
No fim da vida você é tão morto quanto eu.

E a sua fé separatista, mesmo que inabalável,
Não terá serventia para a natureza e seu meio.
Só te separava do que nos uniu quando pereceu.

--

Um soneto sobre como não importa em que acreditamos, estaremos mortos um dia, dando vida, de alguma maneira. Um adorável e macabro paradoxo.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Contas

Estive contando as contas.
As sementes furadas,
parecem de madeira,
estão atravessadas
todas pelo barbante.

Está rodando no meu pulso
por mais de meses
e não esfacela nem desgasta,
mesmo nas violentas vezes
que se arrasta.

Duradouras, dizem que são.
Poderia plantar algo
Cultivar um sentimento
mas na forma atual
é um lembrete de tal
pessoa e evento.

Poderia colorir e secá-las,
mas não seriam mais puras,
e sim moldadas.
Deixa de ser natural
e se torna banal.

Prefiro a forma bruta,
apertando a minha veia,
fazendo o sangue pulsar
com força e avermelha
meus dedos ao inebriar.

O sangue corre lento,
o coração desacelera,
dedos calejados contam
esfera por esfera,
não são nem um cento.

Só cortando eu consigo,
o barbante me solta,
as contas caem
e o meu sangue volta,
e me livro de você.

--

Algumas pessoas são materialistas pelo fato de gostaram de acumular "coisas", outras apenas tem apego por algo que é de uma significância incompreensível aos outros, mas para ambos, quando algo perde o sentido, fere demais e não os alegra, percebem que o objeto não é mais de serventia alguma, então ou entregam na mão de outra pessoa, ou jogam no lixo ou destroem para acabar com a frustração de alguma maneira, nem que seja momentânea.

Não é uma regra, não existem regras para sentimentos. É uma situação corriqueira entre os humanos.