sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Jekyll & Hyde

Respeite o monstro de si
e dê voz ao encontro
do som com as palavras
que, juntos do coração,
são frutos de sua lavra.

É melhor saber sim
do monstro de si,
pois bela e fera
são faces de moeda,
e se não te conheces,
como a outro conhecer?

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Analgésico

Como agüentar tanta vida?

O que dizem ser leve
se prova ser um fardo
daqueles pesados: "Pegue!
Agarre-a para ser vivida!"

Quando meus braços
e meus ombros cansados
concordam com corpo
e tentam calar o pensamento.

Tudo dói, até a vida dói
tanto que o analgésico
tem que ser cada vez mais forte
até que o peso da vida
se alivie na morte.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Morbidez

Ontem - assim como hoje e também amanhã -
desejei me matar, contrariando qualquer lei,
moral, cívica, ética, norma, axioma ou dogma.
Fantasiando como seria a lâmina no pulso,
um espasmo no gatilho dessa roleta russa,
entornar o vinho com comprimidos mistos,
forçar a asfixia por monóxido de carbono,
atravessar a Paulista e beijar o para-brisa
de um ônibus num ato de amor ao meu fim.

Ato de amor próprio, ato de orgulho,
onde o ego tem mais vontades que eu.

E nessa conversa diária, o ego me falou
- e percebi que temos isso em comum -
"mais indolor, mais fácil, sem barulho,
podemos nos atirar do oitavo andar
e mergulhar no escuro, e já conhecido,
asfalto para pintar um pouco de vermelho
esse mundo sem cor."

Seria um ato de desamor,
orgulho ferido, numa vida sem sentido...

...algo que valha, no tempo não vivido,
é, simultâneo, um ato de amor.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Caído

Me assola este antônimo
de tua palavra,
como se minha lavra
nada fizesse em prol do anônimo
sentimento que me sobra.

Nada do que produzo
me traz um contento,
parece que estou em desuso
de mim mesmo,
um sol sem calor,
um flor sem cor,
eternidade sem tempo.

Este seu antônimo
me deixa caído,
enfermo, não de orgulho
mas de sangue escorrido
pelo verso que me deixou ferido.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Perturbação

Tenho uma memória vívida
de coisas fora dessa vida aqui,
quando passo numa ponte
e me pego olhando o horizonte
sinto a tentação de parar a vida
já senti que queria virar o volante,
não bastando, já senti que faria a pé
tal caminhada ao desconhecido,
tudo se daria num simples instante,
apenas um salto de fé
de que tudo, junto do ato, tenha se exaurido.

Salto demorado

Devo admitir que sou meu próprio fim,
meu suicídio é fingir viver este tempo
como se fizesse durar a queda por anos -
como se o parapeito de onde eu vim
não fizesse mais parte - só há vento
e já não fico mais onde estávamos;
sabendo de tudo isso e meus delírios
de início imemoriais, entendo o suicídio,
entendo a sensação, sinto a urgência,
ouço o gemido, respiro o último fôlego
a cada segundo último passado de início.

Quero um indício de que possa surtar,
quebrar tudo, antes que eu me quebre
em ossos no impacto com o solo,
mas me sobra uma paz externa
enquanto o caos interno não dá colo,
apenas me deixa cada vez mais morto.

Quem disse que todos berram ao cair?
Há aqueles que caem no silêncio
da voz, do ar, do suicídio a se admitir.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Da Margem...

Distorceste teu reflexo num lago revolto
por uma pedra que atiraste na vida,
nas ondas provocadas ao largo de seu perímetro...
quando a água se acalmou, inédita
foi a percepção de tua ausência,
a água não mais lhe refletia
e não sei com qual afluente nadarias
para longe, só sei que irias,
não importa aonde...

...pois a água se move,
e o rio não é o mesmo
e justo a correnteza temo
e vejo acontecer
aqui - sem prova dos nove,
me resta apenas não esquecer...

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Elementos de Vias Urbanas

A calçada ouve como passo -
cada passo - num descompasso
comparsa de uma irritação
que não se disfarça de emoção.
Irritação fria que não se sente,
apenas se coça e se mente
que o vazio é puro sentimento,
mas nesse meio-fio de um tecido
estético, nesse vácuo no ventre
toda essa emoção se esvai - se foi.

O asfalto se molha lacrimoso
mais emocionado que eu,
o céu são seus olhos chorosos
que vertem um choro meu,
enquanto terreno; estou apático
no universo móvel-tempo-físico,
tanto que ainda não me sinto,
e a certeza de que não me minto
nesse vazio que deixaste.

A faixa de pedestre é da cor
do contorno de um cadáver
numa crível cena de morte
que não me alegra ou entristece -
apático - nada me é sentido,
não há sentido ou direção
nessas vias, não importa a mão,
pois são mistos traços urbanos
da cidade que me diz insano...

...quando estou, na rua, insone...

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Poluído

Coberto de nuvens cinzentas
posso ver que a realidade
do ser humano aqui se inventa,
abaixo desse firmamento.

Sua cor é reflexo direto
de uma louca maldade
para vontades, caos completo
de vaidades dum momento...

...onde o ser humano
não é mais ser
e, sim, estar;
e o humano
se deixou virar
apenas consumo.